BIBLIA SACRA. Vulgatae Editionis Sixto-Clementina (Nicolaus Pezzana, Veneza, 1748).
DESCRIÇÃO
BIBLIA // SACRA // Vulgatae Editionis, // SIXTI V. PONTIFICIS MAX. // JUSSU RECOGNITA, // ET CLEMENTIS VIII. // Auctoritate edita; // VERSICULIS DISTINCTA, // Et ad singula Capita Argumentis aucta; // Pluribusque Imaginibus, ad Historiarum notitiam // politissimè elaboratis, ornata; // Indiceque Epistolarum, et Evangeliorum // locupletata. // [Ornamento calcográfico: figura feminina coroada, sentada sobre nuvens, com o livro das Escrituras; auréola radiante; em uma das mãos, segura duas chaves e, na outra, uma pena enquanto escreve, sob a pomba do Espírito Santo; elementos de querubins e volutas barrocas completam a cena.] // VENETIIS, // [——] // APUD NICOLAUM PEZZANA. // MDCCXLVIII.— In-8º., [24], 924, [52] p. E. editorial em couro.
Imponente edição setecentista da Vulgata Sixto-Clementina, impressa em Veneza, após o Concílio de Trento, pensada para uso clerical e acadêmico, com título a duas tintas, organização em colunas e amplas margens. A oficina de Nicolaus Pezzana é conhecida pela sobriedade e precisão de composição no Setecentos; o frontispício de cunho teológico-alegórico reforça o programa contrarreformista de legitimação textual e doutrinal da Vulgata romana. Impresso em duas colunas, com remissivas marginais e o aparato preliminar tradicional: Praefatio ad Lectorem; o decreto de Clemente VIII; o Decretum De Canonicis Scripturis do Concílio de Trento; e os prólogos de São Jerônimo (incluindo o Prologus Galeatus). Concluem o volume os índices (Index Epistolarum et Evangeliorum, Index Biblicus). Tipografia clara sobre papel de trapo, com iniciais ornamentadas e arabescos característicos da oficina veneziana.
Para sublinhar o estatuto canônico desta edição, a reprodução do decreto tridentino fixa a autoridade da Vulgata e a definição do cânone:
« Sacrosancta oecumenica, et generalis Tridentina Synodus, in Spiritu Sancto legitimè congregata, praesidentibus in ea eisdem tribus Apostolicae Sedis Legatis, hoc sibi perpetuo ante oculos proponens, ut sublatis erroribus, puritas ipsa Evangelii in Ecclesia conservetur… »
« …Si quis autem libros ipsos integros cum omnibus suis partibus, prout in Ecclesia Catholica legi consueverunt, et in veteri Vulgata Latina editione habentur, pro sacris, et canonicis non susceperit, et traditiones praedictas sciens, et prudens contempserit, anathema sit. »
(p. [7]).
O exemplar apresenta anotações manuscritas distribuídas nas guardas anteriores e posteriores, bem como na folha de rosto e em uma página do Index Biblicus, realizadas em diferentes momentos e provavelmente por diferentes mãos. As inscrições mostram variações de tinta, caligrafia e grau de legibilidade, o que exige leitura paleográfica cautelosa. Diversas passagens podem ser transcritas com razoável segurança, mas outras permanecem apenas parcialmente decifráveis, devendo ser entendidas como aproximações sujeitas a revisão.
Na guarda anterior, ao alto da página, há a inscrição numérica “71/6/7”, escrita em grafite ou tinta pálida, possivelmente indicando uma data — 7 de junho de 1771 —, embora o formato permita outras leituras (como notação de arquivo ou inventário).
Abaixo, em tinta ferrogálica, lê-se « David à S. Petro e Schol. Pris. ». A caligrafia é regular, do tipo humanista cursiva do século XVIII, e sugere uma assinatura de posse. O nome pode corresponder a um clérigo ou acadêmico — talvez David a Sancto Petro e Schola Pris(a) —, mas as abreviações não permitem interpretação segura. O uso da partícula “à” (em vez de “de”) é incomum, podendo refletir influência italiana ou francesa.
No centro da mesma folha, em tinta avermelhada, lê-se “K. 1”, que parece corresponder a um código de catalogação bibliográfica — possivelmente uma notação de prateleira (Kasten 1 ou Katalog 1) —, o que reforça a hipótese de que o volume tenha integrado uma biblioteca institucional ou conventual.
A folha de rosto, impressa em vermelho e preto, traz várias anotações marginais e interlineares, entre elas palavras como David, post mortem e outras. Algumas expressões, como « ad. Petro », « 1750 post mortem » e « Bibliothec Reficientio », são legíveis com relativa clareza; outras se mantêm mais incertas, mas denotam posse, data e eventual transferência. No rodapé, a marca « D. I. 12. » repete-se tanto no verso da folha quanto em uma etiqueta remanescente na lombada, o que indica tratar-se de referência catalográfica ou localização física na estante. O exemplar contém ainda a indicação do impressor e data (Venetiis, Apud Nicolaum Pezzana, MDCCXLVIII), confirmando a edição veneziana de 1748.
No verso da folha de rosto, observa-se um carimbo circular em tinta violeta com a inscrição « KEGYESRENDI KÖZPONTI KÖNYVTÁR » — isto é, « Biblioteca Central da Ordem Piarista », identificando o volume como pertencente, em momento posterior, à biblioteca conventual húngara dos Escolápios, ordem religiosa conhecida por seu envolvimento com o ensino e a preservação de manuscritos teológicos.
Nas guardas posteriores, encontram-se duas inscrições notavelmente mais densas, de caráter teológico e exegético. A primeira, situada na parte superior da guarda, é legível com relativa clareza e pode ser transcrita — ainda que com reservas — da seguinte forma: « Legem credendi lex statuit supplicandi. Celeberrim(us) I(n) epist(ola) ad Eppos Galliae. Benedicere in S. Litteris interdum significat maledictionem, utpote in Job 2,9 et 3 Reg. 21. ». A frase reproduz a máxima teológica « lex orandi, lex credendi » (« a lei da oração determina a lei da fé ») e prossegue com nota exegética sobre o verbo benedicere, que, em certas passagens, significa « maledicere » (« amaldiçoar »), conforme os livros de Jó e dos Reis. O texto alude a uma epístola ad episcopos Galliae, possivelmente de tradição patrística (talvez São Celestino I) ou de comentário escolástico posterior.
A segunda anotação, na parte inferior da guarda posterior, em tinta ferrogálica escura, de traçado ornamentado é de difícil leitura. A escrita é altamente cursiva e entrelaçada, com traços sobrepostos e confusos que interferem na legibilidade, o que impede uma decifração segura. Aparentemente inicia com a palavra « Sortilegia », seguida de um pequeno texto em latim que poderia referir-se a práticas de superstição, augúrio ou adivinhação — tema recorrente na teologia moral setecentista. Contudo, qualquer tentativa de leitura permanece conjectural, e o conteúdo deve ser considerado apenas aproximado. A linha parece ter sido traçada de uma só vez, sem correções visíveis, talvez como nota marginal de estudo ou reflexão teológica. O grau de elaboração caligráfica e a escolha lexical indicam a mão de um leitor erudito, possivelmente o mesmo responsável por outras anotações do volume.
Na parte final do volume, no término do Index Biblicus, identifica-se ainda uma breve nota marginal manuscrita, redigida em tinta ferrogálica e localizada no rodapé da última página com leitura aproximada: « Epistolario: Rom: 9: Eps: h. ». A caligrafia, de traçado inclinado e seguro, é compatível com o estilo do século XVIII e sugere tratar-se de uma remissão interna de leitura, possivelmente feita por um estudioso que relacionava o índice temático à Epístola aos Romanos, capítulo 9. O termo Epistolario (ou Epistolarium em forma latina) indica o conjunto ou seção das Epístolas, reforçando o caráter de uso ativo e de consulta do exemplar. A abreviatura final Ep.s h. pode ser interpretada, de modo verossímil, como Epistola hic (« a epístola aqui ») — fórmula comum em anotações de referência cruzada — ou, menos provavelmente, como Episcopi h. (« do bispo h. »). Essa notação, breve mas precisa, reforça a hipótese de que o volume tenha servido para leitura teológica sistemática, com anotações intertextuais e cruzamentos entre passagens — indício do manuseio por um leitor erudito, possivelmente de formação eclesiástica.
Essas anotações — uma dogmática e outra moralizante — mostram que o volume foi objeto de leitura erudita, provavelmente em contexto clerical. As inscrições, embora nem todas plenamente legíveis, são testemunhos materiais preciosos da história de posse e uso do exemplar. A variedade de tintas e caligrafias indica múltiplos momentos de intervenção, de anotações devocionais a notas de estudo. A conjugação de nomes pessoais, marca de biblioteca e notas teológicas sugere que esta Bíblia Sacra circulou em ambientes eclesiásticos de língua latina, passando, possivelmente, por bibliotecas religiosas da Europa Central.
Todas as transcrições apresentadas devem ser compreendidas como leituras paleográficas aproximadas, baseadas em observação direta e comparação contextual, sem pretensão de fixar definitivamente o texto manuscrito.
Exemplar em encadernação plena em couro marrom de época, com seis nervuras na lombada; abrasões de uso nas capas e quinas arredondadas com exposição do suporte. A lombada traz as letras « S. S. » gravadas entre pequenas estrelas, possivelmente correspondendo a sigla de coleção ou proprietário religioso (Scriptura Sacra, Sancti Spiritus, etc.). No painel inferior, resquício de etiqueta antiga impressa em moldura azul, contendo a mesma notação manuscrita « D. I. 12 », coincidindo com a marca interna do volume — o que reforça a hipótese de antigo sistema de catalogação biblioteconômica. Juntas externas com desgaste de manuseio, porém firmes; costura coesa e estável.
Miolo em papel de trapo espesso, muito legível, com foxing pontual e faixa de umidade antiga sobretudo nas margens superiores (sem comprometimento do texto). Perfurações de inseto esparsas no corte anterior e margens externas, sem atingir a mancha tipográfica; mancha escura localizada (provável cera/óleo) em algumas paginas da seção dos Profetas, dificultando um pouco a leitura de um trecho em três páginas, sendo que nas demais (cerca de 16 páginas), a mancha se encontra mais leve e não atrapalha a leitura. Presença de corte com perda gradativa de papel na extremidade superior das páginas 77 a 129, sem prejudicar a leitura. Cortes tingidos com efeito mármore em vermelho, com desbotamento parcial e salpicos coerentes com a idade. Gravuras e aberturas preservadas; guardas antigas íntegras, com anotações manuscritas e carimbo conventual. Conjunto completo, com preliminares, índices e remissivas. Bom estado geral para a idade, com desgaste externo e marcas de antiguidade, mas estrutura sólida e texto limpo e plenamente legível. 1748.
IDIOMA
Latim
DIMENSÕES
Altura: 23 cm
Largura: 15 cm



